Delamar Corrêa Mirapalheta
Advogado, Radialista e Vereador. Natural de Rio Grande, nascido no Taim, foi vice-prefeito e prefeito do Município.
No dia 28 de maio de 2010, as 15h00min, no plenário da Câmara de Vereadores do Rio Grande, a Comissão de Constituição e Justiça do Poder Legislativo Municipal promoverá uma audiência pública para discutir com os interessados e a população em geral o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 80/2007. O substitutivo em pauta declara de interesse cultural as edificações que fazem parte do inventário de bens culturais imóveis do Rio Grande e dispõem sobre a catalogação, conservação, preservação e proteção dos mesmos, assim como regulamenta estes procedimentos através de critérios para intervenções e concessão de benefícios aos proprietários e dá outras providências. A relevância e impactos da legislação em trâmite estão a desafiar uma reflexão de todos nós.
O instituto do inventário é uma das mais antigas formas de proteção ao patrimônio cultural, de larga utilização na França, Grécia, Portugal e Espanha. No Brasil, adquiriu status constitucional ao ser incluído expressamente como instrumento de proteção, na exata dicção do § 1º do art. 216 da Carta Magna de 1988 .
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[1] Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
A partir daí o tombamento, até então visto equivocadamente como único instrumento jurídico de preservação do patrimônio cultural, passou a ser apenas um deles. A proteção também se dá pelo tombamento, mas não somente por ele. O inventário de bens culturais, móveis ou imóveis, é igualmente um eficaz meio de proteção.
Inexiste no ordenamento infraconstitucional brasileiro uma lei nacional regulamentando especificamente os efeitos decorrentes do inventário enquanto instrumento de proteção do patrimônio cultural. No âmbito da Federação, o Estado do Rio Grande do Sul, exercendo a sua legitimidade concorrente, nos termos do inciso VII do art. 24 da CF, editou a Lei Estadual nº 10.116, de 23 de março de 1994, cujo § 1º do art. 40 impôs aos municípios a realização de inventário de seus bens culturais visando à higidez dos prédios, monumentos, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, artístico, arquitetônico, paisagístico, arqueológico, antropológico, paleontológico e científico, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
O Município do Rio Grande, faça-se justiça, mesmo antes do advento da Constituição de 1988 já vinha se ocupando com a preservação dos bens imóveis de interesse sócio-cultural. Em 13 de fevereiro de 1987 foi publicada a Lei Municipal nº 4.164, classificando as edificações de interesse sócio-cultural e concedendo estímulos a preservação. No mesmo sentido editou a Lei 4.556, de 30 de outubro de 1990 e por fim a Lei nº 5.580, de 6 de dezembro de 2001. Essa última, em síntese, prevê incentivo fiscal em favor das pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no Município que apresentarem projetos de preservação e restauração do acervo do patrimônio histórico, cultural e natural.
O Substitutivo ao Projeto de Lei nº 80/2007, de 7 de julho de 2008, nos seus 53 artigos, melhor trata a questão da preservação e benefícios aos proprietários de bens imóveis declarados de interesse cultural. Ressalte-se outro aspecto positivo. A legislação ora em tramitação, como se infere do art. 51, traz consigo o Anexo I, onde estão listados 509 prédios, que passam a integrar o Inventário de Bens Culturais Imóveis do Rio Grande.
Pois, bem, a par de reconhecer tratar-se de um projeto de lei meritório e oportuno, não posso como vereador e presidente da CCJ deixar transcorrer in albis alguns aspectos relevantes, tanto do ponto de vista do mérito quanto da legalidade de alguns dos seus dispositivos. Entre os 509 imóveis elencados, vários deles sofreram ao longo dos anos descaracterização profunda, de sorte que hoje neles remanescem quanto muito vestígios arquitetônicos da época em que foram construídos, como ocorre, por exemplo, com o imóvel sito à Rua Marechal Floriano Peixoto, 105 (ao lado do Sobrado dos Azulejos). Está totalmente desfigurado, não sendo possível vislumbrar-se qualquer referência que o identifique como um recorte de valor histórico, artístico e/ou arquitetônico. A lista contempla outros prédios em iguais condições. Ora, incluí-los no inventário é um exagero que em nada contribuirá para os bons propósitos da lei preservacionista.
Considere-se que os imóveis, nas condições antes referidas, uma vez relacionados no inventário, sujeitar-se-ão à fiscalização e às penalidades impostas pela lei ora em comento. Assim, considerando o grau de deterioração em que se encontram, com toda a certeza não serão objeto de recuperação por parte de seus proprietários e por conseqüência, tão logo implementada a lei, serão considerados bens culturais imóveis abandonados, sem uso, sem manutenção, expostos à deterioração pelas intempéries e sem proteção quanto às depredações realizadas por terceiros, nos termos do art. 35 da lei objeto da audiência pública. O resultado é que os seus proprietários serão notificados a apresentarem no prazo de seis meses projeto de intervenção para os órgãos competentes – setor técnico especializado do patrimônio cultural, IPHAE e IPHAN, tudo isso cumulado com uma multa que poderá variar de 500 a 20.000 URM (Unidade de Referência Municipal), conforme a gravidade do caso. Em outras palavras, será aplicada uma multa entre R$ 1.005,00 (um mil e cinco reais) e R$ 40.200,00 (quarenta mil e duzentos reais).
No que concerne aos critérios de seleção dos imóveis, não parece que tenham seguido padrões objetivos rígidos, senão veja-se: entre os prédios de nº 105 e 113/117 da Rua Marechal Floriano Peixoto, existem dois outros; os de números 109 e 111, ambos com alterações na composição arquitetônica do mesmo porte das sofridas pelo prédio de número 105. Contudo, não foram incluídos no inventário. O fato está a exigir no mínimo uma explicação por parte do Executivo.
Há outro fato que merece ser destacado. O rol dos prédios inventariados é integrado por instalações de lazer e serviços incrustadas dentro da área portuária. É o caso do Ginásio Esportivo do Clube Honório Bicalho, hoje inexistente posto que sinistrado por um vendaval; dos silos da CESA, armazéns D3 e D4, armazém B5, Prédio das Oficinas do extinto DEPREC e Cais do Porto Novo. Sinceramente, não vemos nessas estruturas funcionais valor histórico, artístico, arquitetônico etc., que justifique as suas inclusões no inventário. Considere-se que a inclusão desses imóveis representará uma inarredável limitação ao uso e finalidade dos mesmos. Não poderão ser modificados, adaptados ou mesmo destruídos para adequarem-se as necessidades das cargas operadas no Porto Novo. Com todo o respeito que nos merece os pesquisadores, cometeram o primoroso absurdo de arrolar como bem cultural imóvel o Cais do Porto Novo. Francamente, pretender engessar uma estrutura dessa envergadura, por onde transita boa parte das importações e exportações do Estado, é um delírio que precisa ser contido.
No que se refere ao conteúdo material do Substitutivo, há reparos a serem feitos. A isenção de taxas previstas nos artigos 11 e 12, quando da realização de obras de restauro e na eventualidade da instalação de comércio e/ou serviços nos imóveis inventariados, não é uma atitude republicana. Taxas são tributos de cunho contraprestacional que visam somente o ressarcimento dos gastos que o Poder Público tem com o oferecimento de determinado serviço ou com o exercício do poder de polícia. Sendo assim, a dispensa do pagamento das taxas tem o efeito de atribuir, para todos os contribuintes, o ônus da atividade específica, cujo custo passará a ser suportado com a receita de impostos, conforme manifestação da DPM – Delegações de Prefeituras Municipais.
Deixo de fazer considerações relativas à renúncia de receita, posto que a princípio é possível, desde que atendido o disposto no art. 14 e incisos da Lei Complementar nº 101/2000.
A pretendida cobrança em dobro do IPTU para os proprietários de imóveis que, beneficiados com isenções e benefícios, deixarem de mantê-lo em bom estado de conservação não tem cabimento legal, porquanto a cobrança de tributo não pode resultar de sanção de ato ilícito.
Os artigos 38 e 39, ao preverem a possibilidade da cobrança do IPTU progressivo no tempo, mediante a majoração de 10% (dez por cento) da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos, constitui-se em afronta ao disposto no art. 5º da Lei nº 10.257/2000, que exige lei municipal específica que fixará as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.
Salvo as questões levantadas, que poderão ser corrigidas pela via das emendas parlamentares, o projeto é bom e oportuno pelo que deverá receber a chancela legislativa. Porém, não sem antes ouvir os interessados e ativistas culturais, que espero compareçam na audiência pública.
De tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade. (Citação atribuída a Josef Goebbels)
Quem assiste os debates na Câmara de Vereadores do Rio Grande vê que são centrados no confronto raivoso entre os seguidores do governo municipal e federal. De um lado, a bancada da situação, integrada por nove vereadores de cinco partidos diferentes (PMDB, PPS, PDT, PSDB e PTB) e de outro a bancada oposicionista, composta de quatro edis de dois partidos distintos (PT e PC do B). Esses últimos, em que pese serem a minoria, ditam a pauta dos debates. Os outros, entre os quais me incluo, na maioria das vezes limitam-se ao contraponto. As razões são muitas e talvez em outra oportunidade eu me ocupe delas. Por ora, pretendo apenas examinar o sentimento de comiseração pública estimulado pela minoria oposicionista que se diz vítima da maioria, sempre hostil e contrária aos seus projetos e requerimentos.
A minoria oposicionista utiliza-se desta condição como forma eficaz de domínio sobre as pessoas, posto que coletivamente são suscetíveis a comiseração. Contudo, aqueles que se permitirem transcender a esse comportamento piegas verão que não são verdadeiras as reiteradas queixas oposicionistas, notadamente de que seus projetos e requerimentos não são aprovados pela maioria.
Os números não tergiversam. Tomemos como exemplo os PLEs – Projetos de Leis do Executivo, PLVs – Projetos de Leis de Vereadores e Requerimentos protocolados em 2009 e apreciados pela Câmara, cujas votações não revelam qualquer imposição da bancada majoritária.
Aos fatos. Os PLEs protocolados em 2009 somaram 140, dos quais 116, equivalentes a 82,86% do total, foram aprovados por unanimidade. Em apenas 6 PLEs houve voto contrário do bloco oposicionista. Registre-se que 18 projetos não foram submetidos à deliberação pelo fato de terem sido substituídos, anexados, retirados e ou devolvidos ao Executivo. Portanto, a discórdia da minoria resumiu-se a 4,91% dos projetos submetidos à votação, enquanto a concordância foi na ordem de 95,08%.
Os PLVs somaram 95 projetos, sendo 51 deles aprovados; 33 declarados inconstitucionais; 3 retirados pelos autores, 1 considerado inadequado, 5 anexados a outros projetos; 1 aguardando parecer da CCJ – Comissão de Constituição e Justiça e 1 em tramitação.
O bloco oposicionista, formado pelo PT e PC do B, apresentou 34 dos 95 PLVs. Portanto, são responsáveis por 35,79% dos projetos protocolados em 2009. O sistema de controle interno da Câmara revela os seguintes dados: dos 34 apresentados, 17 foram aprovados, ou seja, 50%; 13 foram considerados inconstitucionais; 2 foram retirados; 1 aguarda parecer e 1 foi anexado. Como se vê, o bloco não teve nenhum projeto de lei rejeitado pelo plenário da Câmara. Mais, ainda, examinando-se as votações constata-se que apenas dois projetos não receberam votação unânime dos presentes, o Projeto 12/2009, de autoria do Ver. Nando Ribeiro, cujo resultado foi 8 votos favoráveis e 1 contra, e o Projeto 18/2009, do Ver. Júlio Martins, com igual votação. Todos os outros foram unânimes. Como se vê, é falaciosa a alegação de que são massacrados pela bancada situacionista.
Convém desde já espantar o surrado argumento de que muitos dos projetos de leis da oposição sequer logram ultrapassar o filtro de constitucionalidade imposto pela CCJ. Os números mais uma vez encarregam-se de mostrar em contrário. Dos 61 PLVs apresentados por vereadores da situação, 20 foram considerados inconstitucionais, ou seja, 32,79%. O bloco oposicionista subscreveu 34 PLVs, sendo que 13 foram declarados inconstitucionais, equivalendo a 38,24%. Também nesse particular não se constata qualquer perseguição, mormente ideológica.
Dos 211 requerimentos pesquisados no sistema Legis da Câmara, protocolados em 2009, 199 foram aprovados, 6 retirados pelos autores, 1 em pauta, 1 prejudicado e 4 foram arquivados. Nenhum requerimento foi rejeitado e por conseqüência é óbvia a conclusão de que não houve qualquer embaraço ao exercício das atividades políticas da oposição.
O choro oposicionista não encontra respaldo na realidade dos fatos. É marketing político para despertar o sentimento de comiseração popular, campo fértil para a colheita de votos em favor de pseudos oprimidos.
Alberto Amaral Alfaro
natural de Rio Grande – RS, advogado, empresário, corretor de imóveis, radialista e blogueiro.